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18 de Abril de 2024
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    A morte de João Alberto e seus reflexos jurídicos e sociais

    há 3 anos

    "Se existe um fato incontestável na vida de cada dia, é que a doçura consegue, em toda parte, muito mais que a violência, e que, de entre todas as forças em ação neste mundo, ela é a mais forte." Joaquim Nabuco

    O caso João Alberto e o Carrefour sem dúvidas ganhou as proporções que deveriam ganhar todas as barbáries sociais que ocorrem na sociedade brasileira. Mas é sempre bom ponderar que temos imagens, imagens estas que podem ser manipuladas e distorcerem a realidade, por isso que nos ateremos ao que estamos vendo e ouvindo, procurando pontuar com o ordenamento jurídico vigente.

    Todos de uma forma geral, já tem a decisão para os fatos, os pronunciamentos, daqueles que detém o conhecimento, quanto daqueles que possuem o senso comum, são pelo crime de racismo, violência entre outros. As manifestações violentas e com quebra da ordem do dia 20, não olharam a cor da pele das pessoas que tentavam sair ilesos ou tentavam controlar o ato insano, como o de colocarem fogo num estabelecimento comercial na região centro de São Paulo. Embora a mídia insista que é apenas um ato de vandalismo, no entanto, é sempre bom lembrar, que incêndio ainda é crime e tipificado no art. 250 do Código Penal.

    Com esta seleção do que reportar, alguns fatores precisam ser levados em consideração. Há necessidade de pensar fora do contexto de como as coisas se apresentam, é como se alguém nos apresentasse um copo pela metade com água e nos perguntasse: “o copo está meio cheio ou está meio vazio? ”. Claro que é óbvio que o copo não está nem totalmente completo e nem vazio, mas lhe falta algo por estar apenas com aquela quantidade de água? Tudo é uma questão de perspectiva, que nos remeterá à profundidade, ângulo de visão, e enquadramento de como vemos as coisas. (ARAÚJO, et al., 2020 p. 148)

    Apenas como contraponto dos fatos, é importante olharmos os fatos sob algumas perspectivas: (I) Qual a responsabilidade dos seguranças? (II) Qual a responsabilidade de quem filmou? (III) Qual a responsabilidade do estabelecimento? (IV) Foi crime de racismo? (V) Os antecedentes criminais da vítima podem ser levados em consideração?

    Qual a responsabilidade dos seguranças? Os seguranças, em tese, são responsáveis pelo evento morte. Há toda esta pretensão por suas condenações, mas o fato é que sem o devido processo legal (art. 5º, LIV) e respeitando-se o princípio da inocência (art. 5º LVII), ambos princípios constitucionais, nada poderá ser apontado ainda, há nitidamente nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, mas dizer que se trata de homicídio doloso, vontade livre e consciente de matar, vai depender muito das provas que forem produzidas no processo, talvez uma tese mais plausível seja o excesso punível, previsto no parágrafo único do art. 23 do Código Penal:

    O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. Mas aguardemos as investigações e o devido processo legal.

    Qual a responsabilidade de quem filmou? Pergunta intrigante não é mesmo? Vivemos a sociedade do espetáculo, tudo é mídia, a tida mídia espontânea, as pessoas perderam a noção do ridículo, sendo bem claro, antes de beber, de comer entre outras coisas do nosso cotidiano, temos que filmar, fotografar e postar. Esquecemos de apreciar o passeio o evento. Pelo que depreendemos das imagens, há uma possível omissão de socorro dos presentes, mas a omissão na legislação vigente deve ser olhada sobre dois cenários: Crime de Omissão de Socorro (art. 135 do Código Penal): Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública. Ou relevância da omissão, § 2º do art. 13 do Código Penal, neste caso a figura do garantidor, responderia pelo crime igual aos autores (recomendo a leitura do artigo 13 do Código Penal), sendo assim, as investigações poderão apontar qual a responsabilidade de quem filmou.

    Qual a responsabilidade do estabelecimento? Nosso ordenamento jurídico não estabelece responsabilidade subjetiva nos casos da pessoa jurídica, exceto nos crimes contra o meio ambiente, também não estabelece a responsabilidade objetiva da pessoa física, a não ser que fique provado que a administração tenha dado orientações para que seus funcionários assim deveriam agir, nos parece mais provável que estamos diante da culpa in vigilando, que significa “culpa em vigiar a execução de que outra pessoa ficou encarregada”, que se enquadra em diversos exemplos nas atividades cotidianas de pequenas ou grandes empresas. Pensamos que a responsabilidade seja a civil, por meio da reparação dos danos.

    Foi crime de racismo? sem maiores polêmicas sobre o assunto, até porque a vítima é parda e não se enquadra nas normas vigentes das cotas raciais, mas apenas com a pontuação do que traz a legislação vigente, o crime de racismo, lei 7.716/89, é crime contra a dignidade da pessoa humana e atinge um número indeterminado de pessoas, é como se o estabelecimento proibisse a entrada de pessoas negras em suas lojas, ai sim estaríamos diante do nefasto crime de racismo.

    Será que pode caracterizar crime de injúria racial, art. 140, § 3º do CP? Também pensamos que não, pois este tipo penal tutela o bem jurídico da honra subjetiva, ou seja, a autoestima da vítima, e não ouvimos e nem mesmo lemos até o presente, algo do tipo: seu baderneiro negro tem que apanhar mesmo.

    Os antecedentes criminais da vítima podem ser levados em consideração? Nosso ordenamento jurídico não responsabiliza objetivamente a vítima na relação de causalidade, art. 13 do Código Penal, portanto, a vítima, mesmo com sua extensa ficha criminal, parece que consta mais de 50 passagens pela polícia, 13 delas por violência doméstica, inclusive com condenação, figurando ainda crimes de ameaça e contra o patrimônio, não pode ser responsabilizada no sentido de desqualificar a acusação, poderá servir de tese de defesa, já que se aponta que a vítima era conhecida dos funcionários, assim é possível que a sua presença ali era acompanhada com mais cuidado, que quando ela vítima resolveu insultar uma funcionária e depois partiu para a agressão a um dos seguranças, tenha desencadeado uma reação indesejável, como aponta A VERDADE SOBRE O CASO DO CARREFOUR, mas tudo isso está no campo do pode ser, na certeza das pessoas diante dos fatos, mas para o ordenamento jurídico, precisamos levar estas certezas para o processo, para irem para o campo da verdade real.

    Por derradeiro, é importante refletir não de forma hipócrita sobre o racismo, que é muito grave, mas que a reflexão seja sobre o preconceito, a má vontade generalizada, as pessoas perderam a noção de civilidade, falta respeito, empatia, há necessidade de se respeitar o Estado Democrático de Direito, toda imposição não pode ser aceita. Uma democracia só será defendida se prevalecer a vontade da maioria, mas se respeitando a minoria contrária.

    Vidas humanas importam!

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-morte-de-joao-alberto-e-seus-reflexos-juridicos-e-sociais/1129320380

    14 Comentários

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    Ótimo texto. Parabéns. continuar lendo

    Texto muito didático e lúcido diante das paixões que esse assunto suscita! Precisamos levar a discussão dessas questões de forma transparente e ética para o verdadeiro aprimoramento social. continuar lendo

    Obrigado José Vieira, foi realmente neste sentido que quis fazer tal abordagem. continuar lendo

    Que texto rico e esclarecedor, centrado e imparcial.
    Obrigado por nos fazer abrir horizontes.
    Parabéns Comando ! continuar lendo

    Renato eu quem agradeço a gentileza do comentário e muito obrigado pelas gentis considerações. continuar lendo

    Excelente reflexão. continuar lendo